...Depois
de ficar um tempo em silêncio Damian respondeu.
- O que você está
me pedindo é muito complicado. Não da pra responder na lata. Eu preciso pensar.
Diogo
fez um bico, mas aceitou. Damian se afastou a passos curtos, e mesmo com a
possibilidade de poder sair dali, agora ele estava muito mais atordoado que
antes. Sua cabeça fervilhava com as várias possibilidades de aquilo acabar em
merda.
Esqueceu-se das outras coisas, voltou para
baixo da árvore e lá ficou o resto do dia. Olhava para um ponto fixo e mal
conseguia pensar em outra coisa, nem fome ele sentiu.
Lá
pelas quatro da tarde Damian já estava angustiado, sentindo um peso estupendo
sobre as costas e com uma responsabilidade que ele não poderia cumprir. Dirigiu-se
para o seu quarto e lá ficou deitado, sem ver o tempo passar, nem muito menos
uma resposta que indicasse a sua decisão. Ele pensava consigo se quando ele
chegasse lá e fizesse o “serviço” eles não o trairiam, matariam, ou coisa
parecida. E se a polícia o pegasse? E se tudo isso fosse mentira? De repente seu
raciocínio foi interrompido por uma mão que foi colocada no seu pescoço.
Ele abriu os olhos e enxergou uma figura ainda
embaçada que pressionava mais o seu pescoço, e quando sua visão se regulou ele
pode constatar que era o garoto que ele tinha pegado ainda noutro dia roubando
suas coisas. O garoto segurava algo pontiagudo que era mais ou menos uma faca.
Ele colocou a “faca” próxima ao olho do Damian e permaneceu calado. Damian
perguntou o que ele queria, mas o garoto não respondeu, provavelmente só queria
descontar a humilhação que sofreu no ultimo dia. Enquanto ele tremia a mão, Damian conseguiu
dar alguns socos na parte dos rins, o garoto, contudo, aguentou a dor e ainda
segurava o pescoço dele, mas agora bem mais frouxo. Damian conseguiu sair das
mãos dele, mas acabou levando um corte no rosto, que por poucos centímetros não
atingiu o seu olho. O corte doía e sangrava, Damian pulou em cima do garoto e
sentiu mais uma vez o objeto o cortando, agora entrando no seu braço. Mas ainda
com forças, o tomou do garoto, que agora estava todo encharcado com sangue dele.
Damian pegou o objeto e jogou para fora do quarto e começou a enforcar o menino,
que se debatia fortemente. Nesse momento ele não estava no controle da
situação, estava cego de ódio, não do garoto, mas do que estava acontecendo na
sua vida, e o garoto era apenas uma forma de escoar esse ódio, que por mais que
ele apertasse o pescoço do magricelo garotinho o ódio ainda não passava, parecia
ter um infinito tanque de raiva e dor, não dos outros, mas dele mesmo. Neste
momento o garoto parou de debater-se. Damian largou o corpo estático no chão e
foi pegar a faca, se dirigiu pra cima do garoto e quando ia vazar a sua
garganta foi interrompido pelo Diretor Lutter e seus subordinados, esses
chegaram e tiraram Damian de cima do garoto, e constataram que a pobre criatura
estava morta. Neste momento Damian voltou a si, e percebeu a burrice que tinha
cometido.
Era uma pena ter voltado a si exatamente
naquele momento, pois os subordinados começaram a bater nele, como se castigassem
um cão desordeiro. Damian sentia os seus cortes se abrirem mais ainda e a dor
só aumentava, nesse momento ele torcia para desmaiar. Foi quando o Diretor
interrompeu a surra e o encaminhou para a enfermaria e logo após, para o seu
gabinete.
Quando
o Lutter saiu da sala, obviamente eles continuaram a surra até que o Damian
desmaiasse.
Temendo
não pela morte dele, mas por seus empregos, eles pararam com o espancamento e o
levaram à enfermaria. Depois de vários medicamentos Damian foi encaminhado ao
Hospital de Urgência e Emergência da cidade, onde foi informado que tinha se
envolvido em uma briga com outros internos. Enfaixaram o braço do Damian, que
havia sido deslocado, colocaram alguns pontos no rosto e no outro braço dele, e
receitaram repouso.
O
Sol nasceu brilhante lá fora, mas dentro do hospital nada mudou. As mesmas
luzes que tremulavam e zuniam e a mesma correria de toda a madrugada. Damian
acordou sentindo como se um caminhão tivesse passado por cima dele. Mas já
estava até se acostumando com aquela situação. Acordar desorientado no hospital
estava virando uma especialidade de uns tempos pra cá. Ele relaxou um pouco,
apesar das dores, sentia-se bem em hospitais e até lembrou-se da sua ultima
visita a um. Bons tempos aqueles em que apesar de tudo está dando merda, tudo
está dando errado, mas ao menos ele não levava surra de guardas de instituições
de recuperação de menores. “Bons tempos, velhos tempos.” Pensava ele rindo,
afinal nunca foi de fazer drama ante as situações. Lá pelas doze horas da tarde
os guarda vieram busca-lo. Damian temeu por sua vida, mas calculou que a essa
altura não fariam nada para não acabar levando uma bronca. Eles o pegaram no
quarto, o levaram ao carro, no carro havia mais dois. Pareciam ter medo que
Damian fugisse. Damian acenou, e disse:
-
Opa, e ai galera? Noite massa ontem num foi? Vamos marcar de novo... Na próxima
a gente chama o pessoal dos direitos humanos e se vocês curtirem, quem sabe
algumas putas.
Os
guardas riram e o empurraram pra dentro do carro. O caminho de volta foi mais
tranquilo. Um dos guardas até pediu desculpas!
De
volta ao seu purgatório particular, Damian foi encaminhado à diretoria. Ele
tomou um banho antes, e lá pelas três horas da tarde dirigiu-se para o gabinete
do Lutter. Ele abriu a porta e lá dentro numa mesa de madeira marrom, o Diretor
estava sentado com um semblante sério. Ele pediu para que Damian fechasse a
porta e sentasse. Damian o fez, e então Lutter, ainda muito sério começou a
falar.
-
Bom Damian, antes de te falar o que eu quero te falar, eu tenho que pedir
desculpa por aquele mal entendido no seu quarto.
Damian
perguntou qual, afinal aconteciam muitos mal entendidos no quarto dele...
-
Aquele dia em que você me pegou te observando. Veja Damian, eu desde que entrei
aqui fiquei muito aficionado pela sua história e pelo seu perfil, e em certo
momento tive que observar de perto. E só acabei admirando mais ainda, esse seu
estado. Quando você atacou o menino, foi que eu me preocupei. Damian eu decidi
que não vou te punir, pois depois de te observar, e estudar bastante o seu caso
cheguei a uma conclusão sobre o seu estado psicológico. Caso você não saiba, eu
sou um psiquiatra e a partir de amanhã faremos análises semanais, para que eu
possa te ajudar.
-
Mas Diretor. Perguntou Damian que já estava concluindo que Lutter era algum
tipo de pedófilo gay. – Qual o meu estado psicológico mesmo?
Lutter
riu e respondeu.
-
Pensei que você já soubesse, só ainda não tinha aceitado. Damian, pela sua
ficha, pelos depoimentos que você tem feito aqui e pelos últimos acontecimentos
só posso concluir que você é um tipo de psicopata.
Nesse
momento Damian quis rir, mas se segurou. Conquistar o diretor seria importante
agora. Então ele fez uma cara de surpresa e perguntou.
-
Nossa Diretor! “Estou muito abalado”.
Damian
estava quase explodindo em gargalhadas. Como poderia ele ser um psicopata? Em
que universidade esse cara se formou? E mesmo que houvesse algum fundamento
para essa teoria, ele esta levando em conta os fatos inventados por Damian.
Lutter
falou que os processos contra ele pela morte do garoto estavam para chegar,
quando chegassem, ele seria informado. E o liberou, depois de mais algumas
conversas, Damian saiu da sala rindo, quando estava virando o corredor viu
Diogo esperando na porta do seu quarto, de repente o sorriso saiu dos seus
lábios e ele percebeu que a proposta de Diogo ainda estava sem resposta, a
medida com que ele ia se aproximando os pensamentos iam ficando mais fortes.
Ele somava infelicidades e felicidades, motivos e desmotivos, medos e certezas,
até chegar a sua resposta. Um não, ou um sim. Então Diogo pergunta.
-
E ai cara? Pensou?