quinta-feira, 29 de novembro de 2012

#8 – Sobre direitos humanos e psiquiatras.






...Depois de ficar um tempo em silêncio Damian respondeu.
- O que você está me pedindo é muito complicado. Não da pra responder na lata. Eu preciso pensar.
Diogo fez um bico, mas aceitou. Damian se afastou a passos curtos, e mesmo com a possibilidade de poder sair dali, agora ele estava muito mais atordoado que antes. Sua cabeça fervilhava com as várias possibilidades de aquilo acabar em merda.
 Esqueceu-se das outras coisas, voltou para baixo da árvore e lá ficou o resto do dia. Olhava para um ponto fixo e mal conseguia pensar em outra coisa, nem fome ele sentiu.
Lá pelas quatro da tarde Damian já estava angustiado, sentindo um peso estupendo sobre as costas e com uma responsabilidade que ele não poderia cumprir. Dirigiu-se para o seu quarto e lá ficou deitado, sem ver o tempo passar, nem muito menos uma resposta que indicasse a sua decisão. Ele pensava consigo se quando ele chegasse lá e fizesse o “serviço” eles não o trairiam, matariam, ou coisa parecida. E se a polícia o pegasse? E se tudo isso fosse mentira? De repente seu raciocínio foi interrompido por uma mão que foi colocada no seu pescoço.
 Ele abriu os olhos e enxergou uma figura ainda embaçada que pressionava mais o seu pescoço, e quando sua visão se regulou ele pode constatar que era o garoto que ele tinha pegado ainda noutro dia roubando suas coisas. O garoto segurava algo pontiagudo que era mais ou menos uma faca. Ele colocou a “faca” próxima ao olho do Damian e permaneceu calado. Damian perguntou o que ele queria, mas o garoto não respondeu, provavelmente só queria descontar a humilhação que sofreu no ultimo dia.  Enquanto ele tremia a mão, Damian conseguiu dar alguns socos na parte dos rins, o garoto, contudo, aguentou a dor e ainda segurava o pescoço dele, mas agora bem mais frouxo. Damian conseguiu sair das mãos dele, mas acabou levando um corte no rosto, que por poucos centímetros não atingiu o seu olho. O corte doía e sangrava, Damian pulou em cima do garoto e sentiu mais uma vez o objeto o cortando, agora entrando no seu braço. Mas ainda com forças, o tomou do garoto, que agora estava todo encharcado com sangue dele. Damian pegou o objeto e jogou para fora do quarto e começou a enforcar o menino, que se debatia fortemente. Nesse momento ele não estava no controle da situação, estava cego de ódio, não do garoto, mas do que estava acontecendo na sua vida, e o garoto era apenas uma forma de escoar esse ódio, que por mais que ele apertasse o pescoço do magricelo garotinho o ódio ainda não passava, parecia ter um infinito tanque de raiva e dor, não dos outros, mas dele mesmo. Neste momento o garoto parou de debater-se. Damian largou o corpo estático no chão e foi pegar a faca, se dirigiu pra cima do garoto e quando ia vazar a sua garganta foi interrompido pelo Diretor Lutter e seus subordinados, esses chegaram e tiraram Damian de cima do garoto, e constataram que a pobre criatura estava morta. Neste momento Damian voltou a si, e percebeu a burrice que tinha cometido.
 Era uma pena ter voltado a si exatamente naquele momento, pois os subordinados começaram a bater nele, como se castigassem um cão desordeiro. Damian sentia os seus cortes se abrirem mais ainda e a dor só aumentava, nesse momento ele torcia para desmaiar. Foi quando o Diretor interrompeu a surra e o encaminhou para a enfermaria e logo após, para o seu gabinete.
Quando o Lutter saiu da sala, obviamente eles continuaram a surra até que o Damian desmaiasse.
Temendo não pela morte dele, mas por seus empregos, eles pararam com o espancamento e o levaram à enfermaria. Depois de vários medicamentos Damian foi encaminhado ao Hospital de Urgência e Emergência da cidade, onde foi informado que tinha se envolvido em uma briga com outros internos. Enfaixaram o braço do Damian, que havia sido deslocado, colocaram alguns pontos no rosto e no outro braço dele, e receitaram repouso.
O Sol nasceu brilhante lá fora, mas dentro do hospital nada mudou. As mesmas luzes que tremulavam e zuniam e a mesma correria de toda a madrugada. Damian acordou sentindo como se um caminhão tivesse passado por cima dele. Mas já estava até se acostumando com aquela situação. Acordar desorientado no hospital estava virando uma especialidade de uns tempos pra cá. Ele relaxou um pouco, apesar das dores, sentia-se bem em hospitais e até lembrou-se da sua ultima visita a um. Bons tempos aqueles em que apesar de tudo está dando merda, tudo está dando errado, mas ao menos ele não levava surra de guardas de instituições de recuperação de menores. “Bons tempos, velhos tempos.” Pensava ele rindo, afinal nunca foi de fazer drama ante as situações. Lá pelas doze horas da tarde os guarda vieram busca-lo. Damian temeu por sua vida, mas calculou que a essa altura não fariam nada para não acabar levando uma bronca. Eles o pegaram no quarto, o levaram ao carro, no carro havia mais dois. Pareciam ter medo que Damian fugisse. Damian acenou, e disse:
- Opa, e ai galera? Noite massa ontem num foi? Vamos marcar de novo... Na próxima a gente chama o pessoal dos direitos humanos e se vocês curtirem, quem sabe algumas putas.
Os guardas riram e o empurraram pra dentro do carro. O caminho de volta foi mais tranquilo. Um dos guardas até pediu desculpas!
De volta ao seu purgatório particular, Damian foi encaminhado à diretoria. Ele tomou um banho antes, e lá pelas três horas da tarde dirigiu-se para o gabinete do Lutter. Ele abriu a porta e lá dentro numa mesa de madeira marrom, o Diretor estava sentado com um semblante sério. Ele pediu para que Damian fechasse a porta e sentasse. Damian o fez, e então Lutter, ainda muito sério começou a falar.
- Bom Damian, antes de te falar o que eu quero te falar, eu tenho que pedir desculpa por aquele mal entendido no seu quarto.
Damian perguntou qual, afinal aconteciam muitos mal entendidos no quarto dele...
- Aquele dia em que você me pegou te observando. Veja Damian, eu desde que entrei aqui fiquei muito aficionado pela sua história e pelo seu perfil, e em certo momento tive que observar de perto. E só acabei admirando mais ainda, esse seu estado. Quando você atacou o menino, foi que eu me preocupei. Damian eu decidi que não vou te punir, pois depois de te observar, e estudar bastante o seu caso cheguei a uma conclusão sobre o seu estado psicológico. Caso você não saiba, eu sou um psiquiatra e a partir de amanhã faremos análises semanais, para que eu possa te ajudar.
- Mas Diretor. Perguntou Damian que já estava concluindo que Lutter era algum tipo de pedófilo gay. – Qual o meu estado psicológico mesmo?
Lutter riu e respondeu.
- Pensei que você já soubesse, só ainda não tinha aceitado. Damian, pela sua ficha, pelos depoimentos que você tem feito aqui e pelos últimos acontecimentos só posso concluir que você é um tipo de psicopata.
Nesse momento Damian quis rir, mas se segurou. Conquistar o diretor seria importante agora. Então ele fez uma cara de surpresa e perguntou.
- Nossa Diretor! “Estou muito abalado”.
Damian estava quase explodindo em gargalhadas. Como poderia ele ser um psicopata? Em que universidade esse cara se formou? E mesmo que houvesse algum fundamento para essa teoria, ele esta levando em conta os fatos inventados por Damian.
Lutter falou que os processos contra ele pela morte do garoto estavam para chegar, quando chegassem, ele seria informado. E o liberou, depois de mais algumas conversas, Damian saiu da sala rindo, quando estava virando o corredor viu Diogo esperando na porta do seu quarto, de repente o sorriso saiu dos seus lábios e ele percebeu que a proposta de Diogo ainda estava sem resposta, a medida com que ele ia se aproximando os pensamentos iam ficando mais fortes. Ele somava infelicidades e felicidades, motivos e desmotivos, medos e certezas, até chegar a sua resposta. Um não, ou um sim. Então Diogo pergunta.
- E ai cara? Pensou?

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Friendship 1x08



               A semana passou rápido, Pedro não apareceu na escola, Mariana aparentava estar reagindo muito bem a situação dramática que havia vivido. Rodrigo e Catarina estavam um pouco distantes desde que o assunto de suas conversas se resumia ao comportamento estranho de Pedro e um jogo infantil de Rodrigo de querer esconder os assuntos voltados à sua história com Luíza. Seria mais uma noite de sábado solitária, não fosse um telefonema inesperado de Marcelo pra interromper o tédio natural.
                – Pois é, é que a gente vai se encontrar daqui a meia hora na praça, pensei em passar pra te buscar.
                Mesmo estranhando o convite não podia recusar e ficar a noite em casa pensando qualquer bobagem qualquer, resolveu ir.
                – Ah... tá, então eu pode vir sim, vou me trocar e te espero.
                Quando chegaram, o pessoal da banda e algumas meninas da sala já estavam lá, Rodrigo viu os dois chegarem e ficou até espantado por ver que Catarina também tinha vindo. Não se cumprimentaram, não trocaram sorrisos... nada. De início Catarina encarou isso numa boa, os meninos começaram a tocar, contar piadas e tudo o mais... A noite estava animada, estavam se distraindo. Mas depois começou a ficar desconfortável e decidiu ir pra casa. Não tinha muito o que fazer a não ser deixar que esse clima tenso de desfizesse, não tinha pra quem ligar, com quem conversar.
                Deitou-se na cama e viu o diário dentro de sua bolsa, se lembrou da resposta que recebera outro dia. A essa altura do campeonato não sabia mais o que o misterioso destinatário pensava ou queria a respeito do que ela havia enviado. Não compreendia tamanha variação de humor, de aceitação e gentileza que viu na carta. Pensou em responder, dizer que não ficou feliz com a agressividade, mas que estava infeliz com essa mudança brusca de tratamento... Acho que soaria muito louca, resolveu esperar um pouco antes de escrever de novo, talvez estivesse brincando com ela.
                Folheou o diário sem muita vontade, quis ter alguma coisa de interessante pra fazer... Não teve. Na verdade estava muito triste com o fato de estar distante assim de Rodrigo, ele era o único amigo que tinha em Belluno, a única pessoa com quem se abriu de verdade, com quem conversou sobre quase tudo. Não podia se dar ao luxo de perder a amizade dele assim, por nenhum grande motivo aparente.
                No caminho encontrou Rodrigo conversando com Luíza na praça, sem que pudesse ser vista ficou observando a conversa de longe, ele tenta explicar pra Luíza que talvez ainda haja jeito, que as coisas não podem acabar assim e outros argumentos semelhantes de quem quer provar que vale a pena ficar, mas ela resistia e demonstrava estar decidida a ir embora da vida dele. Mesmo de longe, mesmo estando magoada com as atitudes que Rodrigo vinha tomando, Catarina não podia evitar ficar triste com aquilo. Era visível o sofrimento de Rodrigo, não compreendia o porquê d'ele esconder essa história dela, o porquê de sempre fugir do assunto, mas percebeu que ela mesma havia agido errado querendo ultrapassar os limites dele.
                Segue pra casa secreta, coloca o toca discos pra tocar, logo de cara os Beatles cantarolando: "Are you sad because you're on your own? No, I get by with a little help from my friends..." Era exatamente o que Rodrigo precisava, de companhia, de amizade, de compreensão, mas seu egoísmo e curiosidade não a deixaram enxergar.
                Não sabia como agir, se ligava pra ele ou se colocava em si mesma a culpa de ser tão idiota a ponto de não se preocupar com os sentimentos dele, embora nenhuma atitude dela justifique as grosserias que ele lhe disse ou o modo como a tratou no sábado a noite. Sabia que os dois haviam errado, mas não estava em uma competição a fim de saber quem era o certo ou errado.
                Enquanto folheia um dos livros, deitada no tapete, uma frase de William pra confirmar sua decisão: “Eu aprendi que meu melhor amigo vai me machucar de vez em quando, e que eu tenho que me acostumar com isso. Que não é o bastante ser perdoado pelos outros, eu preciso me perdoar primeiro.” Pensou em contar pra alguém tudo que estava passando, as confusões que estavam em sua cabeça, quis um conselho sobre a situação dela com Rodrigo, mas percebeu que não tinha mais ninguém, só ele. Pensou também em lhe contar sobre o diário, sobre tudo que estava descobrindo, que talvez fosse bom ter alguém pra ajudá-la a procurar, alguém pra desabafar... Mas desistiu de imediato, quando pensou que talvez as respostas que recebeu fossem somente uma brincadeira.
                No caminho pra casa liga pra Rodrigo, pede pra vê-lo na praça e ele aceita o convite. Depois de muita conversa, de mútuos pedidos de desculpas, de explicações e alguns sorrisos bobos, Rodrigo lhe conta sua história com Luíza. Explica detalhe por detalhe a relação complicada que tiveram desde a época que os pais dela proibiram o namoro até o dia que ele suspeitou que ela estava o traindo numa de suas viagens de férias.
                Um ano e meio de namoro, contando com brigas e separações. Há seis meses Luíza resolveu acabar e aparentemente superou tudo muito bem, Rodrigo em contrapartida ainda a amava como se nada houvesse mudado. Catarina fica impressionada com a intensidade e veracidade de tudo que ele contava com os olhos cheios de lágrimas. Rodrigo é o cara que está sempre sorrindo, fazendo alguma piadinha ou alguma crítica a todo e qualquer assunto, sem desanimar ou dar o braço a torcer pra qualquer preocupação que seja e, agora, vê-lo em prantos, querendo lutar por uma causa perdida era de cortar o coração.
Envolveu Rodrigo em um abraço apertado, onde ficaram por cerca de 3 minutos, ele ainda em lágrimas, ela com o coração aliviado, embora estivesse triste com o estado dele. Pensava agora em tudo que significava ter raízes, ter pra onde voltar depois de uma briga, depois de uma confusão qualquer, depois de perceber que o mundo está mesmo conspirando ao seu favor, que seu amor lhe deixou, que você foi mal no trabalho, que machucou alguém especial, que fracassou em alguma coisa, que conquistou o cargo do mês. É dentro de um abraço o melhor lugar para se voltar depois de uma aventura, de uma desilusão, de uma jornada qualquer.
~
                Na segunda feira Rodrigo não apareceu, disse que ia levar a avó no médico, o cachorro no veterinário e outras três desculpas que o impediriam de esbarrar em Luíza pelos corredores da escola e, assim, piorar sua recaída emocional do fim de semana.
Marcelo entrou e sentou do lado de Catarina, nas mãos um embrulho de presente um pouco amassado.
 – Marcelo...
– Só abra, é uma coisa boba, assim que vi lembrei de você e resolvi trazer, é irrecusável.
– O Pequeno Príncipe?
– Exato, as citações que te falei outro dia são todas dele, você vai lembrar no decorrer da leitura... A capa é um pouco infantil, mas você vai gostar, tenho certeza.
                –  Sei, você tem que se responsabilizar de que é um bom livro, caso eu tire nota baixa na prova de sexta porque fiquei lendo invés de estudar.
Marcelo sorri e pega nas mãos dela, segura o livro e abre na contra capa, onde aponta uma dedicatória escrita com sua letra perfeitamente delineada enquanto diz:
– Como o próprio lhe ensinará, minha cara: "tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas", mas se o problema é a prova de matemática eu tenho as tardes livres pra te ajudar.  – Catarina sorri enquanto Marcelo desliza as mãos da sua soltando o livro. O professor entra na sala, página 122, Movimento Retilíneo Uniforme... Enquanto todas as borboletas no estômago dos dois seguem movimentando-se uniformemente variadas.

sábado, 24 de novembro de 2012

#7 – Ponto para o acaso.



Ninguém é ruim por completo, ou bom por inteiro. Às vezes a gente só se adapta as necessidades da vida e as atitudes que eu posso tomar para ser feliz pode te deixar triste, ou o contrário. Talvez devêssemos exercitar um pouco mais da nossa empatia, antes de julgar as atitudes tomadas por alguém.
Damian acordou como se tivesse se afogando, assustado, todo suado. Levantou-se, deu uma respirada e por um momento esqueceu os seus dilemas. Tomou café, e ficou perambulando pelo pátio pensando. Lembrou que já se passou um tempo e seus pais nem vieram o visitar. Provavelmente eles o aceitariam de volta em casa, mas seria bem diferente. Principalmente o tratamento dos seus parentes para com ele, que já não era dos melhores. Enquanto estava nesse pensamento, ele foi abordado por um rapaz que era um tipo de capanga do Diogo. Ele o chamou para ir até o outro lado daquele lugar para falar com o Diogo, apesar de não está muito disposto, Damian se dirigiu até o local, afinal, era melhor não desafiar o chefão milionário do lugar. Quando foi chegando ao local, avistou Diogo, sentado na calçada rabiscando algo no chão com um graveto. Quando ele notou Damian vindo em sua direção prontamente levantou-se e esperou ele chegar com um olhar de admiração. Os dois ficaram frente e frente e Diogo não dizia nada, apenas admirava o Damian como se ele fosse uma obra de arte ou outra coisa. Depois de alguns segundos Diogo tocou no ombro de Damian e perguntou o que ele estava achando da estadia por ali. Damian respondeu
- Um pouco entediante, mas de certa forma tenho achado formas de me ocupar.
Diogo riu, pois sabia do acontecido do outro dia. Aliás, todos sabiam e isso aumentou bastante a sua reputação de “bad boy”. Mas voltando ao momento. Diogo disse.
- Bom cara, você já deve ter ouvido falar de mim, então eu não preciso me apresentar. Mas eu acho que você está se perguntando por que eu te chamei aqui. Vamos para dentro, que tem um pouco mais de privacidade.
Dizendo isso, ele levou Damian para dentro do quarto onde ele ficava, deixando seus “capangas” do lado fora, e voltou à conversa.
- Eu tenho ouvido falar muito sobre você e seus atos, e passei a ser mais um admirador seu, por isso acho que você encaixa-se perfeitamente no que eu tenho em mente. Diga-me Damian, você quer sair daqui o quanto antes não quer?
- Quero sim. Respondeu prontamente Damian esperando que ele dissesse que estava planejando uma fuga ou algo do tipo. Diogo continuou.
- Ótimo! Tomei a liberdade de “fuçar” a sua ficha e percebi que você realmente matou alguém, e pelo que você diz não foi a sua primeira morte, e ainda parece estar pronto para mais outras. Eu quero que você saia daqui ainda nesse mês e faça um trabalho pra mim. Por mim, eu mesmo faria, ou algum dos meus contatos lá fora, mas a polícia logo me descobriria e o plano daria errado.
Damian tentando entender perguntou.
- Você não vai sair junto comigo?
- Não, respondeu ele. Veja bem, eu tenho alguns problemas com meu pai e com o dinheiro dele. Apesar de ser muito rico ele me deixa viver como um mendigo, aliás, por conta desse descaso dele eu estou aqui. Pessoas bem de vida não vão parar em instituições corretoras. Eu não deveria está aqui, eu deveria está numa bela casa ou dirigindo um belo carro com um monte de belas mulheres. Mas meu pai não gosta de mim, ele já não gostava, e agora que eu tentei fazer justiça ele me odeia mais ainda, quando eu sair daqui não terei um lar.  Você vai sair daqui, seus registros serão apagados. E ai você será encaminhado por alguns amigos meus até a casa do meu pai. Lá você receberá uma arma para matá-lo, depois que o fizer você irá ganhar algum dinheiro para iniciar uma vida nova aonde quiser. Com meu pai morto, eu vou sair daqui, e vou assumir toda a grana. É bem simples. O que você acha?
Nesse momento Damian parou. Não havia hipótese alguma de ficar ali, mas também não havia hipótese alguma de matar Alguém. Caso vocês tenham esquecido, Damian nunca matou ninguém, nem ao menos sabe usar uma arma. Não sabia o que dizer. Claro que a resposta prática para a ocasião seria um não, mas ele estava tão saturado de ficar ali...
Damian não poderia apenas desperdiçar aquela que seria sua única chance de sair daquele lugar e ainda ter uma vida nova...

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Uma resposta - 1x07


   
             Mais uma noite entre sono retido, números discados, celulares fora de área ou desligado, sonhos nostálgicos, saudades dos dias em Sparke... Catarina reluta em levantar da cama, sem motivação, sem forças, sem ânimo e com olheiras de sobra. Não lembrava muito bem o que tinha feito no dia anterior, mas como foi domingo deduziu que seu dia se resumiu a estudar e dormir, exatamente como foi. O sábado foi sim traumático, não só pra Mariana, mas para todos que presenciaram o que Pedro fez com a coitada. Não precisa nem dizer qual vai ser a pauta das conversas em sala de hoje.
                Rodrigo, no caminho pra escola, tenta não mencionar nada da festa ou do que houve depois, mas não resiste e cinco minutos depois já começa a falar descontroladamente tentando defender Pedro pra tentar limpar sua imagem pelo menos com Catarina. Não que detestasse Pedro ou qualquer coisa do tipo, mas Catarina discordava de muitos pontos na personalidade dele e reprovava grande parte de suas atitudes, principalmente quando se referia ao modo como ele tratava Mariana.
                – Não foi intencional cantar a mesma música que tinha oferecido pra Mariana meses atrás. Ele se arrependeu do que fez porque depois do show Letícia falou que queria acabar tudo porque ela percebeu que ele só queria usá-la pra provocar ciúmes em Mariana... Ninguém tenta entender o lado dele também. - tenta explicar Rodrigo.
                – Entender o lado dele? Rodrigo... Desde que cheguei só vejo Pedro brincar com os sentimentos de Mariana, se ele não quer nada sério com ela, deveria deixar bem claro e colocar um basta nisso, já que sabe que ela não consegue. Mas não, ele continua dando esperanças a ela como se um dia fosse ter alguma coisa com ela.
                – Então a burra na história é ela, Catarina! Se sabe disso tudo por que ainda deixa ele fazer essa palhaçada com ela?
                – Porque ela ama. E amar tem dessas coisas Rodrigo... Você doa seu bem estar pra garantir estar com seu bem. É um preço bem injusto, mas a felicidade de ficar perto de quem a gente gosta compensa quase todo sacrifício.
                – Essa não é a Catarina que eu conheço, esse fim de semana te deixou romântica demais... Que droga - Catarina o empurra e os dois riem, dando conta de que já estavam na frente da escola.
                – Qualé! Vamos entrar que uma manhã tensa nos espera, senhor defensor.
                – Pois sim, senhorita piegas.
Quando entram na sala os grupos já estavam formados e não se fala de outra coisa a não ser do fracasso da festa. Do lado esquerdo Marcelo e os meninos da banda comenta sobre quem mais bebeu, quem ficou com quem. Do lado direito as meninas comentam sobre os meninos novos da cidade, quem usou a melhor roupa... E, no centro, Letícia e as amigas fazendo de tudo para não tocar no assunto "festa".
                Catarina e Rodrigo caminham na direção de Pedro, nas últimas cadeiras, deitado por cima da mochila, tentando recuperar o sono do sim de semana. Rodrigo senta do seu lado, remexendo seu cabelo para acordá-lo, Catarina senta do outro lado e tira um livro da bolsa pra esconder o interesse na conversa. Instantes depois, Mariana chega de mãos dadas com Bernardo e todas as conversas cessam. Todos param pra observar o suposto casal novo caminhar e sentar nas cadeiras do meio. Pedro imediatamente se levanta e vai à direção dos dois, olha pra Mariana e a pede pra falar com ele no corredor.
                – Que palhaçada é essa Mariana? Quer me explicar isso?!
                – Explicar o quê Pedro? Não tenho satisfações pra lhe dar do que eu faço ou deixo de fazer.
                – Mariana... Você vai deixar tudo o que a gente tem pra trás por causa de um deslize meu?
                – Um deslize? Pedro, eu não tenho mais coragem nem coração pra continuar nisso! Cansei de ter as coisas pela metade, me contentar com as migalhas de sua atenção, da sua consideração, do seu amor... Eu dei tudo de mim por nós dois e você? O que fez? Jogou tudo no lixo e quebrou meu coração.
                – Mariana, você sabe que estamos numa fase complicada, mas não é assim... Eu gosto muito de você... De ficar contigo... Não faz isso, velho.
                – Viu? Você gosta, você fica na mesma superfície... EU TE AMO PEDRO! Quando é que você vai entender?
                – Eu também! Viu? Nós somos ótimos juntos, meu amor...
                – Hm... Nós... Nunca houve nenhum nós. E agora acabou, entende? A-ca-bou! Siga sua vida e me deixe seguir a minha. Já retrocedi muito ela por sua causa.
                – Com Bernardo? É ele que tu quer que eu deixe conduzir tua vida? Eu nunca vou me permitir te perder pra ele Mariana. Nunca!
                – Então se contente, porque você já perdeu. E não tem volta Pedro. - Ele segura nas mãos dela e diz calmo: "Mariana... Não faz isso com a gente, por favor...".
                – Adeus Pedro.
                Mariana se vira e entra na sala. Pedro fica no corredor desacreditado no que acabara de ouvir, não é possível que ela tenha mudado tanto, não é admissível perder tudo dessa maneira. O professor chega e manda todos entrarem na sala pra começar a aula. Porém Pedro pega suas coisas e vai pra casa.
                Catarina não compreende as atitudes de Pedro e até fica brava com Rodrigo por estar sempre defendendo e encobertando as coisas erradas que ele faz. No intervalo Mariana vem lhe agradecer pelo apoio que ela lhe deu na festa e por ter se importado com ela, mesmo sem ter tanta proximidade assim.
                – Que isso Mariana, eu ajudaria qualquer pessoa na sua condição, isso não se faz.
                – Eu sei, mas mesmo assim muito obrigada e me desculpa pelos meus tratamentos com você antes... de verdade.
                – Tranquilo garota. Mas e então, você e Bernardo...?
                – Ah não. Não, não.
                – Vocês saindo do clube juntos e entrando de mãos dadas na aula... Ficou bem casal.
                – Eu não faria isso com ele, sabe? Eu sei que ele gosta de mim, mas não posso usá-lo como escape e também, ele tem sido muito legal comigo, muito mesmo.
– Entendo...
~
                No fim da aula Catarina volta a pensar no diário, na carta agressiva que recebeu e pensa que não pode deixar isso pra trás assim, logo de primeira. Se a pessoa que escreveu o diário for a mesma a quem as cartas estão sendo entregues, ela vai compreender. Tinha certeza que ia. Assim que chega em casa começa a escrever:

                “Não sei o que disse na outra carta que deixou você tão revoltada, mas não foi minha intenção. Eu realmente quero saber quem escreveu o diário pois achei coisas muito bonitas escritas nele e me identifiquei com muitas coisas descritas ali. Se o diário é seu, gostaria de compartilhar muitas coisas com você, além de um ótimo gosto literário a  sua história de amor descrita nele é muito parecida com uma história minha, só que com um final meio que diferente...
Só quero conversar, nada mais que isso. Mas se você não quiser, eu compreendo. Caso contrário, sempre vou na casa do endereço aqui no envelope, se quiser me responder, ficarei muito grata.”

Catarina não esperava receber a resposta muito cedo, mas foi enviar o quanto antes.
Passou a noite pensando nos últimos acontecimentos: a festa, a conversa de Pedro e Mariana, ou pelo menos havia tentado pensar. Mas nada lhe permitia ficar mais que dez minutos sem pensar no diário, em quem escrevia e se a pessoa que lhe respondera era realmente o dono do diário.
No outro dia foi à escola e praticamente ninguém havia ido. Rodrigo contou-lhe que Pedro já havia dito que não iria, porque ainda achava que Mariana estava com Bernardo. Bernardo e Marcelo haviam viajado juntos e só voltariam pra Belluno de noite, Letícia e suas amigas faltaram aula pra ir ao shopping. Com isso não havia como o dia na escola não ser tranquilo. Mas mesmo assim as aulas fizeram questão de se arrastar. Catarina já não aguentava mais ouvir aquele professor falar da Segunda Guerra Mundial quando o sinal finalmente toca.
Catarina vai pra casa acompanhada por Rodrigo, se despede e corre pra dentro de casa pra falar com sua mãe, mas percebe que ela não está. Decide então ir à casa secreta pegar algum disco ou livro. Quando chega na esquina, a primeira coisa que vê é o carteiro saindo de lá. Corre para ver se é a resposta, quando chega lá percebe que é um envelope e abre:
Primeiramente, desculpe-me por ter sido grossa daquela maneira, achei que era algum engraçadinho querendo fazer algum tipo de piadinha comigo. Sim, você disse que encontrou meu diário, como? Eu o guardava aqui e faz, eu acho, que uns três anos que ele sumiu e eu parei de escrever. Se puder me devolver, por favor, eu agradeceria. Ele me traz muitas lembranças da minha vida, boas e ruins.

Sobre o meu amor ser lindo, obrigada. Mas saiba que esse meu amor foi forte, mas não mais forte que tudo. Acho que a natureza não gosta muito de mim, ela importuna minha vida, traz saudade, mais amor e menos meu amor.
Mais uma vez, me desculpe. Não queria ter passado uma imagem de revoltada, mas são as circunstâncias que mexem com a gente sem percebermos.
Responda logo,
L. D.                           .

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

# 6 – A Realidade não é democrática.






         Como podemos mensurar o tamanho da dor que uma perda causa no coração de outra pessoa? Sentir saudades do que não vai voltar nunca e terrivelmente pior do que apenas sentir a falta de algo que logo teremos de novo. E a angústia passa a ser a maior companheira nesses dias de saudade.

Depois de alguns meses Damian tinha pouco se socializado com o resto das pessoas no reformatório. Após esse tempo todo ele parecia ter virado uma pessoa ainda mais amarga do que já era. Dirigia-se religiosamente para o pátio pela manhã, se escorava em um pé de Jambo, já muito velho e que soltava muitas folhas, e ficava lá pensando.

Os dias se passavam e Damian ia se afundando em tédio, não havia nada para fazer ali, apenas contar as horas para a próxima refeição, e quem sabe até assistir uma briga de moleques metidos a traficantes. Alguns dos que estavam ali ficavam conversando besteira o dia inteiro, para eles a vida ali era como um intervalo do colégio, onde você fica comentando besteira ou alimentando uma piada interna. Só que o intervalo acaba. E aquilo era quase eterno, e depois de um mês conversando, os mesmos assuntos acabam e você acaba ficando mais calado. Outros pediam para os seus parentes trazerem livros, esses recebiam visitas frequentes, dos amigos e das namoradas. Depois desse tempo todo, Damian desenvolveu mais ainda o seu estilo observador, mas aprendeu também a ser mais sucinto em suas palavras e em suas ações, por que lá dentro, tudo que falamos e fazemos poderia ser usado contra nós em algum momento. Ele entrava e saía como um gato dos locais. Também procurava sempre entender como as coisas estavam acontecendo, e quem eram as pessoas. O comportamento anterior dele de ficar dormindo o dia todo não durou muito. Depois de alguns meses Damian começou a notar que algumas coisas suas estavam sumindo, e depois começou as ver sendo usadas por outras pessoas, ele resolveu pegar o bandido. Começou a se deitar, mas sem dormir, apenas esperando a sua presa chegar. Damian, assim como todos lá dentro, era uma bomba prestes a explodir, seu coração estava afogado em angústia, remorso e dor. Ele já percebia que seus pais haviam o esquecido, pois não davam nem sinais de vida. Então qualquer coisa, qualquer coisinha era motivo para se irritar.

Damian ficou deitado sem dormir por algumas semanas e já pensava em desistir quando um dia ele percebeu alguém entrando no quarto, a principio achou que era mais um dos meninos que ficavam por lá. Mas não era. A pessoa se aproximou dele, e ficou lá parado. Damian estava deitado de olhos fechados, e apenas ouvia o que acontecia no quarto. Notou a pessoa se debruçando sobre ele, e nesse momento imaginou o pior, então agarrou a pessoa pelo pescoço com toda a sua força. Quando a derrubou, abriu os olhos e notou que não era um interno, e sim o diretor. Ele o soltou e pediu desculpas. O Diretor levantou-se alisando o pescoço e disse que tudo bem, e saiu sem dar explicações. O Diretor Luttero, ou apenas Lutter como era chamado havia chegado ao internato um pouco depois de Damian, depois da morte trágica do antigo diretor. Lutter era uma pessoa calada e observadora, um pouco severo e de olhar penetrante, sempre pareceu ter uma espécie de marcação com o Damian, mas nunca houve um grande diálogo entre os dois. Por isso Damian ficou bastante confuso sobre o ocorrido, e pensando além do por que dele está ali, também se ele era o ladrão. Voltou a deitar-se, e quando ia pegando no sono, outra figura entra no quarto, dessa vez mais barulhenta, esse também para em frente a cama de Damian, mas não o observa por muito tempo, pois logo se ouve ele mexendo na mochila. Agora Damian tinha certeza de que tinha pegado o Diretor no ato. Quando se levantou de repente, notou que quem estava ali não era o Diretor Lutter, e sim outro garoto. Eles dois ficaram assustados, mas como Damian queria suas coisas de volta, não se conteve e pulou em cima do “trombadinha”, o cara tentou sair correndo, mas Damian o agarrou pela cintura e deu alguns chutes no seu abdômen. O garoto ficou ali se contorcendo sem conseguir respirar, Damian respirou, abaixou-se e colocou as mãos no pescoço do garoto e apertou. O garoto tentou tirar mas quando ele aproximava as mãos, Damian aumentava a intensidade, aos poucos o garoto percebeu que era melhor ficar parado. Damian disse pausadamente que se ele fizesse aquilo de novo, ele veria as consequências. O garoto balançou a cabeça positivamente e saiu.

Damian sentou-se na cama, pensou no que havia feito e tentou entender porque estava tão aliviado e feliz. Por um segundo toda a angustia e a incerteza sumiram do seu coração, a adrenalina estava encharcando o seu cérebro e ele até esboçou um sorriso. Estava feliz, deitou-se, e dessa vez finalmente dormiu.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A festa - 1x06



– UM JORNAL?! – Catarina grita com ar de raiva e decepção. Se pergunta se é mesmo apenas isso, se não vai receber resposta alguma, se havia sido em vão o tempo que passou procurando e começou a se achar meio boba por ter escrito uma carta destinada a quem não fazia ideia de quem era. Pensado nisso tudo começa a se arrepender por ter ido procurar raízes na história do diário. Levanta-se irritada e, pela janela, vê o carteiro dobrando a esquina. Corre para fora da casa e abre outra vez a caixa de cartas e lá estava a carta-resposta que tanto esperou.
A carta voltou no mesmo envelope em que foi enviada, no verso a resposta em letras maiúsculas enormes: “NÃO SEI QUEM É VOCÊ, NÃO SEI POR QUE ESTÁ FAZENDO ISSO... MAS, POR FAVOR, NOS DEIXE EM PAZ!” Catarina não entende porque raios se incomodaram tanto com um bilhete inocente e sem nenhum desacato, não usou nenhum termo que pudesse ser visto como falta de respeito ou algo do tipo. Ficou realmente triste com isso, voltou pra casa e não parava de pensar onde havia errado.
Triste com tudo que havia acontecido, Catarina entra no quarto, desaba na cama e só acorda quando seu celular toca: é Rodrigo dizendo que vai passar na sua casa pra subir pra praça, porque o pessoal vai se encontrar pra conversar e combinar os últimos detalhes pra festa de amanhã. Catarina não estava com ânimo algum pra levantar da cama e sem a mínima paciência pra aguentar as conversas bobas dos meninos sobre ficas e bebedeiras, disse pra Rodrigo que não ia dar pra ir porque tava muito cansada, mas que amanhã com certeza vai aparecer.
– Ah, então você é a famosa Catarina? Prazer, Camila.
– Famosa? Acho que não, mas prazer, né?
– Ah, famosa sim. Ouvi falar de você a noite toda ontem, Rodrigo ficou arrasado porque você não quis ir pra praça com a gente.
– Rodrigo e Catarina se entreolham, ele sem ver um pingo de graça nas atitudes de Camila, leva Catarina para o balcão e começa a arrumar as bebidas enquanto explica:
– Hm, Bernardo é primo de Marcelo, né? O que dá em cima de todo mundo na cara de pau?
– É e não é... Bernardo tem esse jeitão dele, de pegador e tal, mas ele não é assim, sabe? É mais aparência mesmo, quando ele se apaixona muda totalmente, mas não creio que seja o caso com Camila, porque até agora eu não entendo o que ele tá fazendo com Camila, acho que é mais pra fazer ciúmes pra Mariana.
– Como assim? Mariana, Mariana? Mariana de Pedro?
– Sim, ele sempre foi arriado por ela, sempre foi super apaixonado, mas ela só tinha olhos pra Pedro, desde sempre. Ai de vez em quando eles ficavam, mas era só enquanto Pedro ficava com outras, quando ele voltava a arrastar asa pra ela, Bernardo era descartado.
– E Mariana é louca por Pedro, como é notório.
– Exato.
– E Pedro não tá nem ai pra ela, como é notório.
– Não, não é assim também. A questão é que ele não é super apaixonado por ela, só isso.
– Rodrigo, por favor... Até eu que cheguei agora consigo ver como ele brinca com os sentimentos dela.
– Mas é essa a questão, ela o deixa fazer isso. Você não pode julgar ele por uma culpa que é 50% dela também.
– Não tou julgando, mas que ele brinca, brinca. E se ela gosta dele isso é compreensível... Não é certo, mas compreensível.
– Eu sei, mas Pedro faz as coisas sem perceber, ele é um cara bom, Mariana só não soube desenterrar isso no relacionamento deles ainda.
– Se você diz, né? Mas eu, pelo menos por enquanto, não vejo nada além de um cara metido a conquistador que parte o coração das garotas pelo mundo a fora.
– Caramba, falando assim até parece que ele é um vilão, Catarina. – Eles começam a rir e Pedro vem se aproximando pra avisar que falta menos de uma hora pra começar. Ele cumprimenta Catarina e diz que sentiu sua falta na praça ontem, Letícia chega bem na hora, sorri e os cumprimenta, enquanto entrelaça os dedos nos de Pedro e o leva para o outro balcão. Catarina balança a cabeça e sorri pra Rodrigo, como quem confirma o que acabara de dizer.
– Camila é uma conhecida nossa, estudou mais de 3 anos na mesma turma que a gente, arrumava encrenca com todo mundo e depois mudou de escola. Daí agora tá de rolo com Marcelo e voltou a andar com nossa galera.
– Ela é bem... Comunicativa, né?
– Não sei se essa é a palavra certa, mas com o tempo você vai compreender o porque de ninguém aqui ir com a cara dela.
A fila do lado de fora do clube aos poucos começa a encher, todos os jovens de Belluno queriam presenciar a festa do ano, depois de toda propaganda que Pedro e a banda fez a curiosidade de todos aumentou. Na hora marcada todos estavam na fila, esperando as portas abrirem.
Pedro e a banda passam o som pela última vez antes de liberar a entrada e voilà: casa cheia.
~
Bruno se aproxima de Rodrigo e pergunta se ele já viu quem chegou, quando ele se vira Luíza e suas amigas no canto esquerdo do salão freneticamente cantando acompanhando a voz de Pedro, cantando "Tempo Perdido". Rodrigo dá um sorriso sem vontade e volta a conversar com Catarina, mudando o foco da conversa.
Catarina tenta tirar algo sobre Luíza, mas Rodrigo foge do assunto todas as vezes. A festa continua a rolar e Pedro, entre um agradecimento e outro, diz que vai cantar uma música para alguém muito especial, por quem tem muito apreço e os acordes iniciais de Exagerado tomam o salão do clube, enquanto todas as garotas se perguntam quem será a felizarda e Mariana se aproxima da multidão com o sorriso iluminando todo o ambiente.
– Eu posso até morrer de fome, se você não me amar – Pedro para a música e começa a recitar – e por você eu largo tudo, vou mendigar, roubar, matar...
Desce do palco e caminha devagar entre a multidão e vai em direção ao lado direito, onde estão Mariana e Letícia separadas somente por umas três pessoas. A banda, baixinho ao fundo, continua a tocar enquanto ele diz: exagerado, jogado aos teus pés... Vem, Letícia, que essa é pra você.
Mariana, sem acreditar no que acaba de presenciar, sai em prantos em direção à saída do clube. Bernardo desce do palco e vai em direção à Mariana. Do lado de fora Mariana chora e se maldiz enquanto Catarina, que mesmo sem ter tanta proximidade com ela, mas de tão chocada com as atitudes de Pedro, a abraça e tenta confortá-la. Ao vê-la aos prantos, Bernardo se revolta e entra no clube, puxa Pedro pelo braço e diz:
– Que grande exemplo de homem, né? Você acha que isso é bonito, cara? Destruir o coração da menina assim? Velho, você morreu pra mim hoje. Como pessoa e como amigo. –Bernardo pega suas coisas e sai.
Sem clima pra continuar a festa, Rodrigo pede pra que as pessoas se retirem e Pedro, sentado no palco, reflete sobre seu grande feito com uma garrafa de whisk ao seu lado. Catarina ajuda a fechar o clube e diz que vai embora porque, até então, só Rodrigo estava do lado de Pedro nessa confusão.
~
Já em casa Catarina liga pra Mariana e pergunta sobre seu estado, mas ela lhe responde rápido que está com Bernardo e que depois retorna a ligação. Catarina, rapidamente percebeu que era verdade o que Rodrigo falou sobre o relacionamento de Mariana e Bernardo, deduziu que Mariana aproveitou o conforto do colo de Bernardo pra se curar de mais um de seus machucados causados por Pedro. E imediatamente seus pensamentos se voltaram para a história, ainda oculta, entre Rodrigo e Luíza, fez mil deduções e não chegou a lugar algum, mas sempre observou no dia-a-dia na sala que havia algo entre os dois que Rodrigo insistia em esconder.
Todos os rolos entre os seus amigos começavam a ser mostrados e ela era a única que não tinha ninguém. Sem ligações no meio da noite, sem motivação pra chegar cedo na aula, sem ter alguém por quem esperar, alguém com quem compartilhar seus sonhos e medos... E pra completar, abre um caderno qualquer do ano passado, na contra capa com a letra de Dani (uma de suas melhores amigas em Sparke) uma dedicatória: 
“‘Tenho medo de terminar sozinha. Tenho medo de ser sempre amiga, irmã e confidente, mas nunca o 'tudo' de alguém.’ tá vendo, Cat? Tem gente escrevendo sobre sua vida se passando por você, temos que denunciar isso. haha, Dani.”

sábado, 17 de novembro de 2012

#5 – Vem o Solo da Bateria.



Damian sentou-se a mesa, sob o olhar de ira dos pais do falecido. O conselheiro tutelar ficou lá lendo alguns processos, e no final acabou não havendo consenso algum. Damian acabou saindo prejudicado, pois segundo os pais do Frederico todo o acontecido era culpa dele. Damian iria ser indiciado por homicídio. E nem ele nem a mãe dele tinham dinheiro pra proteger a sua versão dos fatos. Já os pais do Frederico trouxeram um dossiê completo e falavam só o que o advogado deles deixava. Era quase certo que a culpa cairia nas costas do Damian, o que não se sabia era o tamanho de suas consequências. Saiu de lá desolado e pensativo sobre as suas escolhas. A angústia que o tomava era indescritível. Ele sentia seu futuro escapando das suas mãos, o mesmo sentimento de perder o chão, ele tinha apostado o que não tinha e agora ia pagar as consequências. A vida era realmente um jogo e ele não soube jogar. Seguiu caminhando a beira da estrada, lentamente, de cabeça baixa. Já era noite, e as pessoas voltavam para suas casas e viam aquele vulto andando. Ele chegou naquela velha padaria que havia em frente ao seu colégio e se sentou na calçada. Ficou ali, abraçou-se com suas pernas, como alguém que esta pulando dentro d’água. Seu coração doía, e cada respiração dele era um prenuncio de um choro, por mais que ele não quisesse lembrar, por mais que ele não quisesse chorar, quisesse permanecer frio ante aquilo tudo, ele não conseguiu. Chorou, mas não um choro escandaloso, um choro baixinho, quem passava pela calçada por perto dele escutava os soluços abafados. As lágrimas lavavam o seu rosto e ele permanecia calado, chorando.
Algumas horas se passaram e ele permanecia ali chorando e vendo as pessoas apontando pra ele, pensava no que havia dado errado, e no que ainda daria errado na sua vida. E então foi pra casa, entrou, não olhou no rosto dos pais, que certamente já sabiam do acontecido. Pois o conselho tutelar mantinha os pais dos envolvidos sempre informados. Ele entrou no quarto. Se deitou e agora sim, ele não pensava em mais nada, já não fazia mais planos sobre como sair daquela situação. Naquele momento ele só respirava, e sentia seu coração bater apertado no peito. Damian, como ainda era de menor, poderia ficar cumprindo algum trabalho social, mas ele estava preste a completar 18, e também já corria o risco de não ser intendido como defesa própria. Resumindo, ele estava ferrado.
O outro dia amanheceu e Damian nem havia fechado os olhos, ele tinha permanecido ali estático, sem nem pensar. Ele levantou-se, tomou um banho. E foi para a escola, e comum quando perdemos tudo ou todas as esperanças tentarmos ignorar os fatos eminentes e tentar voltar a velha rotina, mentindo para si mesmo. Ele chegou à sua classe, para o espanto de todos, que agora tinham um certo receio de falar com ele, e ele se divertia com isso, assustando as pessoas que o julgavam como um assassino. Ele entrou, e pediu pra um garoto que sentava na frente sair pra ele sentar, claro que com um educado “Por Favor”. O garoto amedrontado com o “assassino do lago” saiu rapidamente. Damian assistia às aulas com um sorriso largo no rosto, participava respondendo e perguntando, o que assustava todo mundo ainda mais. Mas depois do algumas horas, todo mundo começou a perceber que aquele era o mesmo Damian de sempre, ou parecia ser. Quando o intervalo tocou ele saiu, os corredores da escola se abriam para “o cara perigoso” passar. Ele se sentou na cantina e ficou lá como se esperasse algo. Depois de alguns minutos Gabriela chegou, parecia estar totalmente recuperada de tudo, deu um longo abraço no Damian e a alegria do rosto dele se desfez. Ele começou a conversar com ela sobre o que estava acontecendo, o rumo que as coisas estavam tomando. Ela o abraçou mais uma vez e com um olhar de Adeus, saiu. No coração dos dois havia uma angústia de dimensões gigantescas. É muito ruim você não ter ideia do que vai acontecer com a sua vida. E viver sobre a probabilidade de que alguém vai te arrancar dentre seus entes e pessoas queridas e te aprisionar em algum lugar não é muito bom. No outro dia, Damian compareceu como combinado ao Conselho Tutelar junto com seus pais, a fim de saber da decisão. Os pais do Frederico não compareceram, mas mesmo assim o responsável pelo caso chegou. Ele chamou Damian e seus pais para uma sala e nesse momento Damian sentia muito frio, não por conta do clima, mas porque ele estava frio mesmo, estava branco. O conselheiro percebeu e pediu que trouxessem água pra ele. Com aquele típico olhar de médico disse para que ele se acalmasse, mesmo sabendo que ele ia se ferrar. Depois de algumas burocracias, foi diretamente ao ponto. Explicou que Damian seria encaminhado para uma espécie de prisão para menores, que eles davam um desses nomes toscos que o governo dá as coisas como: Lar do Garoto, Casa do Menor e esse tipo de besteira. Explicou que como o Damian completaria 18 no final do ano, e a pena máxima lá dentro era de dois anos, ele seria liberado, ainda este ano. Assinado os termos e tudo mais, o conselheiro foi com eles de viatura até a casa para que o Damian pegasse algumas coisas dele. Neste momento Damian estava calmo. Ele era sensato, nada mudaria o que estava acontecendo, então não precisava de nenhum drama maior. Ele se despediu da sua mãe e do seu pai que pareciam mais aliviados em saber que ele logo sairia. Entrou na viatura e iniciou a viagem mais longa da sua vida. Damian estava sendo encaminhado para uma unidade na cidade ao lado que ficava a pouco mais que 7 km. Mas pra ele pareceram 700. Ele olhava as árvores passando lá fora, e curtia seus últimos momentos de liberdade enquanto o conselheiro dava dicas de como ele se virar lá dentro. Ele não escutou nenhuma. Pensava sobre deixar seu computador, seu celular, suas músicas. Sobre deixar as coisas que ele gostava de fazer para ir pra um lugar onde ele não conhecia ninguém e ficar lá sem fazer nada. Dormiu. E algum tempo depois foi acordado, pois haviam chegado, o frio na sua barriga aumentou. Damian deu entrada com todos os seus documentos no almoxarifado. Lá na instituição, diferente de um presídio você pode usar as suas roupas, e não existem celas, e sim quartos, o prédio é que é bem cercado. A ideia inicial era que quem fosse pra lá ficasse recebendo atendimento de pediatras, psicólogos e pedagogos. Mas na verdade lá só havia o diretor e seus subordinados. Damian foi posto num dos quartos, onde já havia mais 4 pessoas. Eles ficaram calados e quietos enquanto o segurança apresentava a Damian a sua cama e apresentava as regras. Quando o segurança saiu, eles começaram a perguntar várias coisas a ele, coisas como “Te bateram?”, “O que tu fez?”. Damian, que estava um pouco assustado com aquelas caras novas e com o que poderia ser feito a ele, tentou criar uma reputação lá dentro, e disse. – Ah, eu matei um cara. Eles logo se assustaram. Damian estava bem vestido e não tinha cara de trombadinha, começaram a perguntar mais, e Damian começou a subverter os fatos ao seu favor. – Bom caras, ele estava afim de uma menina que eu gostava, ai eu dei cinco tiros na cara dele, me trouxeram para aqui, mas não dá em nada, estou feliz por eles não terem descoberto meus outros crimes... Eles pareciam encantados com o Damian, como se estivessem na presença de alguém que fez algo incrível.
Pra sorte do Damian, sua reputação começou a se instalar quase que repentinamente por lá. E para o seu azar, as histórias chegaram aos ouvidos de um tal de Diogo, um playboyzinho que estava lá preso porquê invadiu a conta do seu próprio pai  e roubar alguns milhões, para o azar desse Diogo, a polícia o descobriu, para a sorte dele, o dinheiro já estava na Suíça. Era um tipo de chefão lá dentro.
Anoiteceu e Damian foi tentar dormir sob um teto diferente do que ele tinha dormido por 17 anos. Uma experiência irritante. Ele se virava pra um lado, para o outro e não conseguia ficar confortável naquele colchão de espuma e com um cobertor fiapos, que esquentava sete vezes mais que o necessário, mas sem ele a pessoa congelava. Mas ele acabou pegando no sono lá pelas tantas da madrugada e sonhou com o dia em que ele ia sair. Pela manhã os caras o acordaram para ir tomar o café. Um pão sem nada, com um café, que era mais um chafé... Ele comeu meio que sem vontade, mas sabendo que não comeria nada até o almoço, e como ainda eram 7 horas, era bom comer pra ficar em pé.
Como não estava muito bem humorado, ele optou por ficar no quarto ao invés do pátio.
                   Damian estava começando a preferir bem mais está sonhando a está acordado. Mas logo ele entenderia que para continuar vivo, era preciso ficar bem acordado.