quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Laços - 1X01


                Quarta feira. 24 de dezembro.
Belluno estava coberto de neve e as crianças já começavam as brigas de bola de neve e a construção dos bonecos, cheia de cores, enfeites e luzes: a cidade começava a se encher.
                – É natal, Catarina, é natal! - Gritava Petrus, correndo pela casa enroscada em bolas e guirlandas da decoração.
                Catarina com cabelos desarrumados e olhos brilhando continuava estática na janela da sala, crianças correndo por todos os lados, cachecóis bordando o enorme boneco de neve, a vizinhança seguindo a vida normalmente. Aparentemente tudo indica que esse natal vai ser belo e feliz. Não fosse a sensação de vazio e falta que invadia Catarina.
                Discrepância do coração. Logo Catarina que adorava o natal, única época em que todos se reuniam em volta da mesa, faziam suas preces, compartilhavam sonhos e desejos, piadas e sentimentos e por um dia, ao menos, eram uma família de verdade. Todos os vizinhos contribuíam para a organização da Grande Ceia, traziam dos melhores pratos aos melhores trajes. Nesse estado de perfeita harmonia era impossível ver os pontos falhos e linhas interrompidas entre os relacionamentos ali presentes. Como quem borda uma toalha para forrar a grande mesa do jantar, as conversas e partilhas de falsos interesses em comum, pseudo-sentimentalismos epacificidade preenchiam a noite, como se assim ocultassem o ano inteiro de olhares e burburinhos de mau gosto que tomava conta das ruas do arraial. A noite seguia e todos conseguiam enfrentar isso na maior simplicidade, como se tudo fosse real, como se tudo fosse verdade. Mas Catarina era diferente, com seu coração puro e sua bondade não deturpável conseguia ver a camada de falsidade que encobria aquela cena de amor real e explicito. Não aceitava. E de repente começava a adoecer - mas isso era antes, agora ela sabia que já não funcionava - como se seu corpo expelisse o que seu coração rejeitava. Olhares frios e corações cheios de amargura, maldade que se alastrava nos desejos e atitudes dos donos dos mesmos rostos que agora lhe sorriam: alegres e bondosos comemorando o natal.
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                Catarina Mansur tinha olhos brilhantes e claros quase mel, cabelos longos e ruivos que faziam perfeita harmonia com sua pele clara e seu sorriso… Seu sorriso de dentes branquíssimos perfeitamente alinhados, o qual delicadamente formava covas em suas bochechas cada vez que retribuía a alguém que lhe sorria.
                E sorrir era a coisa que fazia mais vezes por dia, era uma menina doce de coração era enorme, via beleza nos lugares e nas pessoas mais improváveis. Era incompreendida, mas não fazia esforço algum para mudar isso, o mundo que vivia era egoísta demais para acreditar na possibilidade da criação de outro mundo: o mundo que era só dela. Com 17 anos conseguia enxergar além das fronteiras e barreiras que a adolescência proporciona, enfrentava castigos e reclamações, por vezes desnecessários, com obediência e respeito, saía de todas as situações que entrava com inteligência e com seu próprio esforço. De personalidade forte, Catarina sempre conseguia alcançar seus objetivos, e seus sonhos eram sempre bem maiores do que a realidade suportava e a sociedade acreditava.
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                Franchesca, dona da confeitaria, foi a primeira a sugerir: Vamos abrir os presentes! – E logo todos se aglomeravam ao redor da árvore, esperando para procurar seus nomes nos enormes pacotes decorados com papéis e laços coloridos. 
Pouco a pouco os presentes foram abertos e a ansiedade de Catarina ficava cada vez mais explícita, esperava ganhar um vinil dos Beatles ou a coleção do Shakespeare. Para sua decepção ganhou mais uma echarpe de sua mãe, uma máquina de datilografar de seu pai e o presente que mais lhe intrigou foi uma caixa enviada por sua avó Helena Hamsker, que morava em Hercegovina há alguns anos. Catarina rotineiramente recebia presentes de seus avós, mas nunca ficou tão curiosa para abrir este, talvez fosse pelo grande cartão dizendo: NÃO ABRA ATÉ O ANO NOVO! Ou pela aparência e tamanho da caixa que cabia na palma de sua mão.
O final de semana se arrastou e Catarina não mais se aguentava de curiosidade, a caixinha sobre a cabeceira lhe deixava estagnada por longos minutos. Balançava, tentava olhar através das frestas tentando descobrir qual o mistério ali escondido. Perguntava-se o porquê de esperar até o ano novo para só então ver o que estava guardado na pequena caixa de madeira, com a película aveludada já desgastada pelo tempo, e tão leve que parecia guardar apenas papéis ali dentro.
Na contagem regressiva, Catarina contava também, mas eram os segundos para correr para o quarto, fechar a porta e abrir a caixa para acabar com sua cruel aflição e curiosidade. E assim o fez, enquanto todos se abraçavam naquele mesmo espírito de amor e amizade do natal, deixou a festa e subiu as escadas correndo para se trancar no quarto e abrir o aguardado presente.
Estava tão nervosa e ansiosa que não sabia se abria ou se olhava a caixa por mais alguns minutos, talvez tivesse criado tantas expectativas e teorias sobre seu conteúdo que agora tinha medo do que poderia encontrar. Desfez o laço vermelho que envolvia, abriu lentamente a trava da tampa e finalmente!

2 comentários:

Anônimo disse...

Estou gostando muito :D

Unknown disse...

Fico feliz em saber, obrigada por postar opinando, volte sempre por aqui ;*